quarta-feira, 22 de outubro de 2008
















Dance hall of Gregor Samsa – Frank Kortan


Metamorfose


Sou o que escrevo, porém nem sempre.

Se quero ser espelho, escrevo: sou espelho. E sou espelho.

Se quero ser silêncio, escrevo: sou silêncio. E sou silêncio.

Já quando quero ser poema tenho forçosamente que pensar em ti,

na claridade que emanas mesmo ao crepúsculo das tardes sombrias,

na luz laranja límpida com que pintas os horizontes de setembro.

Não é fácil pensar em ti porque tens mil formas efémeras de ser:

Às vezes és dia, ave branca, nuvem volátil, cirro lilás,

caule de feno, flor de giesta, romã aberta ao meio;

onda do mar, búzio, areia quente, corpo nu, miragem de um seio.

Outras vezes és noite, ave negra, feiticeira dos bosques virgens;

lua, flor nocturna, coaxar de rã, grito de mocho, ira dos lobisomens.


Sou o que escrevo, menos quando quero ser poema.

Se quero ser poema, quem escreve poema és tu.

Por isso às vezes a minha vida é um lápis nas tuas mãos.


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