terça-feira, 8 de julho de 2008

























As pessoas solitárias pensam em formigas - Miguel Fazenda


Cleptomania das mãos


Se também em todos os búzios só se ouve a memória dos mares,

já as nossas mãos encerram a reminiscência do latrocínio.

Porque elas se estendem ávidas para todos os pomares

e para todos os corpos e para todos os poemas proibidos.

Os frutos são as primeiras vítimas da infância das mãos

e rapidamente conhecemos os perigos das árvores tentadoras.

As mãos são como criaturas que nasceram cegas e roubam

pela volúpia da suavidade e pelo conforto do calor da pele nua.

Nem são os olhos que buscam os devaneios ocultos nos livros,

mas as mãos que transgridem e ousam deleitar-se lubricamente

com o poder de domínio maquiavélico sobre os objectos alheios.

Sendo assim,

se amanhã descobrires as tuas árvores vazias de romãs

ou se acordares e não souberes da tua dilecta colecção

de poemas e de búzios marinhos, não fui eu: foram

estas duas mãos que não domino e roubam sem razão.


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