Multidão - Miguel Fazenda
Dissolução dos sentidos
Já sinto a transumância dos animais caprinos pela montanha que sou.
Daqui, do cume de mim, o olhar perde-se-me nas auroras boreais do norte.
O que ouço são ecos dos trovões das madrugadas avassaladoras
e acredita que já não distingo o paladar salgado dos tigres de jade.
Assusta-me asfixiar com o enxofre queimado dos revólveres súbitos
e repara como me tremem as mãos e deixo cair os frutos mais sensíveis…
Juro que parti em viagem por todas as estradas possíveis e imaginárias
e nenhuma delas me levou à cidade onde mora o teu corpo.
Desconfio que já não há rosas-do-vento que me orientem:
É urgente inventar uma outra geografia.
Porque quando chega a estação quente das danças
todas as nuvens se transformam em linhas de chuva
e inevitavelmente me dissolvem os sentidos.
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