As pessoas solitárias pensam em formigas - Miguel Fazenda
Cleptomania das mãos
Se também em todos os búzios só se ouve a memória dos mares,
já as nossas mãos encerram a reminiscência do latrocínio.
Porque elas se estendem ávidas para todos os pomares
e para todos os corpos e para todos os poemas proibidos.
Os frutos são as primeiras vítimas da infância das mãos
e rapidamente conhecemos os perigos das árvores tentadoras.
As mãos são como criaturas que nasceram cegas e roubam
pela volúpia da suavidade e pelo conforto do calor da pele nua.
Nem são os olhos que buscam os devaneios ocultos nos livros,
mas as mãos que transgridem e ousam deleitar-se lubricamente
com o poder de domínio maquiavélico sobre os objectos alheios.
Sendo assim,
se amanhã descobrires as tuas árvores vazias de romãs
ou se acordares e não souberes da tua dilecta colecção
de poemas e de búzios marinhos, não fui eu: foram
estas duas mãos que não domino e roubam sem razão.
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