O teatro foi sempre a minha vida e a minha morte - Mário Viegas
Retrato a sépia (do actor)
Entre o actor e o espelho estão as palavras.
O actor gosta de ser engolido pela boca da noite
e transformar-se em cuspidor de fogo vomitando palavras acesas.
É-lhe muito fácil ganhar asas, equilibrar-se nos arames
suspensos sobre as cabeças pasmadas dos espectadores.
É-lhe muito fácil arreganhar as garras e dilacerar o poema
em sangue, dá-lo a beber a quem padece de eterna sede.
Entre o actor e o espelho estão as máscaras.
O actor é rei, rainha e bobo, cavaleiro de espada em riste.
É-lhe muito simples conquistar o reino do fingimento,
é-lhe muito simples abalroar os castelos da indiferença.
O actor é um pistoleiro que dispara sobre o próprio coração.
É um fora-da-lei que assalta todos os bancos de máscaras.
O actor é um bicho, um camaleão, um crocodilo – e verte lágrimas.
O actor é o amante de todos os espelhos.
Ri, chora, tem dor, mata e morre.
Morre, mas não morre.
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