domingo, 21 de setembro de 2008





















O teatro foi sempre a minha vida e a minha morte - Mário Viegas


Retrato a sépia (do actor)


Entre o actor e o espelho estão as palavras.

O actor gosta de ser engolido pela boca da noite

e transformar-se em cuspidor de fogo vomitando palavras acesas.

É-lhe muito fácil ganhar asas, equilibrar-se nos arames

suspensos sobre as cabeças pasmadas dos espectadores.

É-lhe muito fácil arreganhar as garras e dilacerar o poema

em sangue, dá-lo a beber a quem padece de eterna sede.


Entre o actor e o espelho estão as máscaras.

O actor é rei, rainha e bobo, cavaleiro de espada em riste.

É-lhe muito simples conquistar o reino do fingimento,

é-lhe muito simples abalroar os castelos da indiferença.

O actor é um pistoleiro que dispara sobre o próprio coração.

É um fora-da-lei que assalta todos os bancos de máscaras.

O actor é um bicho, um camaleão, um crocodilo – e verte lágrimas.


O actor é o amante de todos os espelhos.

Ri, chora, tem dor, mata e morre.

Morre, mas não morre.